"Naquele tempo se pegava ouro grosso"
Mais de dois séculos após nascer e prosperar por causa da descoberta de ouro em seu território, a pequena Pilar de Goiás, no noroeste do Estado, prepara-se para voltar a explorar o minério.
Com a retomada da atividade, agora a cargo de uma mineradora canadense, a cidade fundada em 1741 espera deixar para trás um longo período de decadência e reviver a época em que suas riquezas lhe renderam fama Brasil afora.
A exemplo de Pirenópolis, Goiás Velho e das cidades históricas mineiras, Pilar – como é chamada por seus habitantes – foi fundada durante o ciclo do ouro, quando a descoberta do metal no interior do Brasil reordenou a economia e a distribuição populacional da então colônia portuguesa.
"Naquele tempo se pegava ouro grosso", conta o artesão Luciano Correia de Brito, de 75 anos, referindo-se à pureza do minério encontrado nas margens dos rios.
Brito reproduz histórias do apogeu de Pilar contadas por seu avô, que se mudou para a cidade no século 19. Uma delas narra uma visita da rainha D. Maria I, quando os poderosos locais teriam tentado impressioná-la cobrindo o chão com punhados de ouro. "Ela mudava o passo de um montinho para o outro."
Ainda que a história careça de documentação, pesquisadores corroboram o destaque alcançado por Pilar no século 18. "A riqueza do descobrimento (de ouro) cedo se fez conhecer, atraindo numerosa população de paulistas, portugueses e nacionais de outras regiões com seus escravos. A freguesia já contava com quase 4 mil habitantes livres 15 anos após a fundação, e em 1762 já seria, na opinião do governador João Manuel de Mello, o arraial mais populoso da capitania", escreveu o arquiteto Elvin Dubugras (1929-1999).
Cidade chegou a abrigar 15 mil habitantes no auge da mineração, ainda no século 18
Dubugras se encantou com os casarões históricos de Pilar, que em 1954 motivaram o tombamento da cidade como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
As construções chegaram a abrigar 15 mil habitantes no auge da mineração, ainda no século 18. No entanto, com o fim da atividade, a população caiu para 1.500 moradores. Hoje, há cerca de 2.800 habitantes em todo o município, incluindo áreas rurais.
Em visita a Pilar em 1823, no início da derrocada, o explorador Cunha Mattos relatou: "Este arraial vai caminhando para uma completa aniquilação; as suas famílias nobres acham-se quasi extinctas; e grandes propriedades de casas estão de todos abandonadas".
Segundo o artesão Luciano Correia de Brito, a decadência se acentuou na Revolução de 1932, movimento paulista que buscava derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e promulgar uma nova Constituição no país.
"(O governo) pegou e levou aquele pessoal que servia ao menos para bucha de canhão, porque não sabia pegar em fuzil. Aquele pessoal foi e não voltou mais", diz. "As casas foram caindo, e os mais velhos, falecendo. Pilar foi abaixo."
Passados 80 anos da Revolução de 1932, a cidade continua a exibir sinais de abandono. Boa parte das casas antigas carece de reforma, a igreja de Nossa Senhora dos Mercês, do século 18, só abre em festejos especiais, e o turismo praticamente inexiste.
Nos últimos anos, porém, desde o início da preparação da mina, que será explorada pela canadense Yamana a partir de 2013, Pilar passou a viver dias mais agitados.
Para abrigar os trabalhadores, que somarão 1.200 no ápice das obras, foi erguido um alojamento na cidade. Quando a mina estiver operando, calcula-se que ela gerará 420 empregos diretos e 600 indiretos.
'Hora da redenção'
"É a hora da redenção da cidade", diz o ex-vereador Giovani Alves. Ele espera que os impostos a serem arrecadados com a mineração sejam revertidos em melhorias nos serviços públicos.
Conforme os critérios atuais para a divisão desses impostos, conhecidos como royalties, 0,65% do faturamento com a venda de ouro numa mina fica com o município produtor – a União abocanha 0,12% e o Estado produtor, 0,23%.
A Yamana não diz quanto espera faturar em Pilar. Mas levando em conta a expectativa de produção anual da mina (3,7 toneladas de ouro) e o preço atual do minério (US$ 55 o grama), a quantia extraída anualmente somaria cerca de US$ 200 milhões (R$ 400 milhões).
Nem todos, porém, estão otimistas. Leidimar Souza de Oliveira, que por 12 anos trabalhou como empregada doméstica em Pilar, viu na abertura da mina a chance para dar um salto profissional.
Aconselhada por administradores do empreendimento, ela contraiu empréstimos para transformar sua casa num restaurante. Seu objetivo era servir os operários que trabalham na preparação da mina.
"Comprei fogão, panelas, aumentei o espaço, mas em pouco tempo apareceu outro restaurante e foram todos para lá. Me deixaram aqui com todo o investimento que tinha feito."
Oliveira diz que a mineração trará menos benefícios à cidade que um surto de garimpo ocorrido nos anos 80, encerrado pela Polícia Federal por operar sem licença.
"Na época de garimpo manual, corria dinheiro na cidade. O pessoal tirava o ouro lá e o vendia aqui. Agora não: o empregado terá aquele salarinho no fim do mês, e o ouro que tirarem aqui levarão para o Canadá."
Ela diz ainda que, como os moradores locais não são qualificados, a empresa terá de trazer trabalhadores de outras regiões. "O pessoal daqui vai ficar com muito pouca coisa."
Já a Yamana afirma que, além de investir para capacitar os trabalhadores locais, privilegiará fornecedores da cidade. A empresa, no entanto, diz cuidar para não gerar demandas que, tão logo a mina fique pronta e inaugure seu próprio restaurante, não serão mantidas.
Independentemente do impacto econômico que tiver na cidade, diz o historiador Nelivanio Sousa, a retomada da mineração já surte efeitos
positivos: a mina tem trazido a Pilar grande número de forasteiros, que não raro se encantam com o patrimônio arquitetônico da cidade.
Ao valorizar o legado do primeiro ciclo do ouro em Pilar, afirma Sousa, eles levantaram a autoestima de seus moradores e trouxeram à tona histórias que andavam esquecidas.
"Pilar está despertando de um longo sono", diz ele. "De certa forma, já começamos a nos livrar do esquecimento."
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